sábado, 13 de março de 2010

Violão & Voz




Está ouvindo essa música? Essa voz vem de onde?
Atravesso o corredor do terceiro andar, esbarrando nas pessoas, atrás do som daquela voz.
Entro no banheiro feminino. Uma nuvem de fumaça inunda minhas narinas e eu espirro. A voz continua mais forte em meus ouvidos. Peço um cigarro a alguém e entro no banheiro ao lado, fecho a porta e sento. Junto a mim, minha amiga de sala pede um ‘’ladinho’’ pra sentar, e eu cedo uma parte do vaso sanitário....A voz canta Vinicius...
E lá estamos, largadas num banheiro de Escola, cigarro na mão, baforadas nervosas de fumante de primeira viagem, ouvindo uma voz grave, profundamente sensual.
Abaixo-me e tento ver, pelo espaço aberto, quem está ali. Vejo um par de sapatos muito lindos e pernas morenas. Só. Muita fumaça...e entre a voz e eu, a parede.
O alarme do término do recreio me chama de volta à sala de aula. Então, preocupada em não descobrir quem era, gritei :
- ‘’Quem é que está cantando aí? No que a voz respondeu : -‘’Eu!’’ E rápido, saiu do banheiro tentando apagar o cigarro na pia, sem olhar prá ninguém, a voz mais linda do Rio de Janeiro! Fui atrás.
Fazia várias perguntas ao mesmo tempo, sem deixar tempo pra respostas: -"Você mora aqui perto? Canta há muito tempo? Sabe tocar algum instrumento’’? E ela deslizava pelas escadas como se fosse passar por dentro das pessoas que vinham subindo. E eu atrás. Rápida e titubeante ela me olhou por sobre o ombro e disse: ’’Na saída agente se fala’’!
Na saída nos falamos!! E eu a convidei para ir até minha casa, cantar comigo...Nesse dia, cantamos muuuuito!
Naquele momento, eu ganhava uma voz, e ela, um violão. O Curso Ipanema acabou. Vieram as provas de admissão ao magistério. Passamos. E continuamos a fazer o que mais gostávamos: cantar e tocar. Foi quando participamos de um Festival de música( àquela altura eu já estava compondo além de tocar!). Ganhamos. E viramos almas gêmeas, grude puro, corda e caçamba. Dois extremos, médico e monstro ,os opostos se atraindo...Eu, irreverente, abusada, brincalhona, ela, tímida e retraída.
Tempo de brincar de ousar, de desafios, prepotência, loucuras e experiências...Tempo de você e eu... Tempo de verões com queimaduras de segundo grau, tempo de amar , de muitos beijos na boca , disputa de namorados, liberdade para os seios ( abaixo o sutiã ) na camisa de malha, colares, tamancos de garrafeiro, calça saint-tropez, e tantas outras coisas da melhor época de nossas vidas!
Saudade? Por que não? Mas, saudável, sem melancolia.
Crescemos. Cada uma seguiu seu destino. Vivenciamos diferenças de gostos, opções sexuais, distância, saudades, outras vozes passaram por meu violão... Outros instrumentos fizeram cama prá sua voz...mas dentro, viva, a vontade de novamente estarmos juntas, compactadas na melodia, engrandecidas pelos acordes híbridos e dissonantes, deliciando-nos de timbres, inventando sons, criando músicas.Somos Seres Intranquilos, Mito Milton, Noção do Tempo -canções que marcaram uma parceria eterna- E os anos passaram...
2010, escrevendo lembranças, encontro um amigo comum em um site. Através dele, volto ao passado e recrio o dia de nosso encontro,pego o violão e canto nossa música: “quero perder a noção do tempo, antes que eu perca a noção do belo...”
E segue a vida.

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